terça-feira, 28 de março de 2017

OPINIÃO: CONSEQUÊNCIAS PRÁTICAS DA CONCENTRAÇÃO DOS ATOS NA MATRÍCULA


Do empreendedor ao adquirente de imóvel pessoa física, uma das críticas mais comuns ao sistema registral e ao sistema jurídico brasileiro em geral sempre foi a carência de mecanismos aptos a conferir maior segurança jurídica e celeridade aos negócios imobiliários.

Exatamente por isso, o advento da Lei Federal 13.097, de 19/01/2015 tem sido aclamado por parte dos estudiosos do direito registral imobiliário como um importante marco de inovação no ordenamento jurídico pátrio.

Após o decurso do prazo de dois anos para ajuste dos registros e averbações de atos anteriores à lei, o chamado “princípio da concentração dos atos na matrícula” está vigente em todo o país.

Pois bem. Consoante o artigo 54 da lei, não poderão ser opostas ao terceiro de boa-fé as situações jurídicas que não constarem da matrícula do imóvel, inclusive para fins de evicção. É o que convencionou se chamar de princípio da concentração dos atos na matrícula.

Assim, com a vigência da lei, em regra o terceiro de boa-fé que adquirir direito real não poderá ter este direito prejudicado por causas que não constarem da matrícula (fólio real) no momento da aquisição, afastando (pelo menos a princípio) os riscos e implicações da fraude contra credores e fraude à execução.

Nesse sentido, continua sendo essencial a atuação positiva e diligente por parte do credor, pois a ele recairá o ônus de noticiar a existência de seu crédito, seja requerendo em juízo a averbação de determinada ação que possa reduzir o devedor (proprietário do imóvel) à insolvência, seja registrando a citação do devedor em ações reais, por exemplo.

À vista disso, parece-nos inegável que a mencionada lei pretendeu aumentar a segurança jurídica das transações imobiliárias, instituindo a matrícula como o principal (e único, para parte da doutrina) documento a ser analisado para apurar a situação jurídica atual de determinado imóvel, visando dispensar, inclusive, diligências complementares.

Logo, a priori e sem maiores reflexões sobre o assunto, o principal e mais óbvio efeito prático da lei seria a desburocratização e maior agilidade do processo de aquisição de imóveis, historicamente pautado pela adoção de um sem número de cautelas por parte dos compradores, as quais são, em determinadas ocasiões, vistas como “exageradas” ou “sem justificativa”.

Mercê do exposto, não é de se estranhar que a lei tenha sido festejada por parte da doutrina como uma evolução ímpar do direito imobiliário nacional, que poria fim a uma das mais relevantes críticas de quem tenta enveredar pelo mercado imobiliário.

No entanto, ainda é cedo para afirmar, categoricamente, que a análise tão somente da certidão de matrícula implica a dispensa total de todos e quaisquer outros documentos.

Isso porque, a nosso ver, a lei nada de significativo acrescentou ao ordenamento jurídico até então existente. Neste sentido, sua contribuição foi, de fato, o fortalecimento e a ratificação dos princípios e normas até então vigentes. Tanto que, mesmo antes da edição da lei, o terceiro adquirente de boa-fé já era protegido pelo sistema jurídico (porém, em um grau de importância diferente).

No mais, também antes da lei já era necessário o registro, nas respectivas matrículas, dos atos que dissessem respeito a bens imóveis, como forma de publicidade e salvaguarda de direitos de terceiros. Assim, também em relação a este fato, a nova lei apenas fortaleceu entendimento já consagrado em nosso ordenamento jurídico.

Além disto, a própria lei estabelece uma série de exceções à regra da concentração dos atos na matrícula, que implicam a manutenção da análise de determinadas certidões na due diligenceimobiliária.

Assim, por exemplo, não aproveitam o princípio da concentração os casos de aquisição e extinção da propriedade que independam do registro do título (como, por exemplo, a usucapião) e algumas hipóteses previstas na Lei de Falências, além do que restou expressamente mantida a apresentação, por parte do vendedor, das certidões fiscais incidentes sobre o imóvel objeto da transação.

À vista destas exceções, ainda deverão ser obtidas e analisadas as certidões, em nome do vendedor e seus antecessores, do distribuidor cível, para verificação da existência de ações que versem sobre hipóteses de aquisição/extinção da propriedade que independam de registro de título aquisitivo, bem como as certidões de distribuição de falência e recuperação judicial e extrajudicial, nos casos em que o vendedor ou seu antecessor seja pessoa jurídica, sem contar, ainda, as certidões fiscais, acima mencionadas.

Por fim, é imprescindível ressaltar que a majoração da segurança jurídica está íntima e necessariamente relacionada à interpretação, pelo Poder Judiciário (leia-se, nesse caso, Justiça Estadual, Trabalhista e Federal), desse novo diploma legal.

Desta forma, antes da dispensa das cautelas de praxe, devemos observar, com atenção, se a Justiça “fará valer” a referida lei, isto é, se efetivamente entenderá pela boa-fé de terceiro adquirente que, salvo às exceções legais, se pautou tão somente na análise da certidão de matrícula para avaliar a viabilidade e segurança de sua aquisição imobiliária.

Resta aguardar, portanto, uma posição mais consolidada da jurisprudência com relação a essa questão, tendo em vista que nem mesmo a Justiça consegue propiciar a segurança jurídica irrestrita, tão exigida no mercado imobiliário.

Enfim, como diz o dito popular “um olho no gato, outro no peixe”. Devemos lutar pelo efetivo incremento da segurança jurídica propiciada pelo princípio da concentração, sem nos descuidarmos dos ataques demagógicos que certamente virão.

Marcelo Terra - especialista em Direito Imobiliário; Fernanda Inhasz - especialista em Direito Registral e Notarial Imobiliário e Pedro Rizzo Batlouni - advogado da área Imobiliária.
Fonte: Revista Consultor Jurídico

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