terça-feira, 6 de fevereiro de 2018

DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA


Geralmente para fins de utilidade pública ou interesse social, incumbe ao Poder Público desapropriar bem pertencente ao particular visando o interesse coletivo, mediante prévia e justa indenização. Segundo Hely Lopes Meireles, a “desapropriação ou expropriação é a transferência compulsória da propriedade particular para o Poder Público ou seus delegados, por necessidade ou utilidade pública, ou por interesse social, mediante prévia e justa indenização.”[1]

Tratando-se de instituto de direito público, a desapropriação deve, em regra, ser promovida judicialmente pelo Poder Público expropriante, inclusive com a oferta do preço acompanhando a petição inicial, conforme prevê o artigo 13, do Decreto-Lei nº 3.365/41. Ao final da instrução processual, caberá ao juiz fixar o preço da indenização por meio de sentença (art. 24, Decreto-Lei nº 3.365/41).

Lamentavelmente, em razão da falta de planejamento das políticas públicas e déficits orçamentários, não raro são as situações em que o Poder Público realiza verdadeiro apossamento de áreas particulares para a edificação de obras públicas sem a contraprestação devida, qual seja, a indenização. Muito menos existe o devido processo legal necessário para apurar a extensão efetivamente desapropriada, o valor justo da indenização e outras questões correlatas.

No ato do apossamento administrativo, poderá o proprietário se valer até mesmo do desforço físico ou emprego de força policial, tamanha a ilegalidade praticada pelo Poder Público, conforme preleciona o autor Kiyoshi Harada[2].

Entretanto, muitas vezes o Poder Público efetua a desapropriação da área sem efetuar o pagamento da indenização devida ao particular e inicia a execução das obras, o que impede a oposição imediata por parte do proprietário, eis que a propriedade se torna de domínio público. Neste caso, incumbe ao particular ingressar com ação judicial visando o recebimento dos valores devidos, denominada “desapropriação indireta”.

Na hipótese narrada, a indenização se apura conforme o procedimento estabelecido na Lei de Desapropriação. Entretanto, os polos serão invertidos e o proprietário é que figurará como autor da ação judicial. O Poder Público, por sua vez, será condenado a pagar a mesma indenização que pagaria na desapropriação regular.

Dois são os requisitos para a propositura da ação desapropriação indireta: a ocorrência do apossamento administrativo do imóvel e a comprovação de que o autor seja o titular do domínio da área apossada. O primeiro requisito se justifica pela impossibilidade do proprietário em usufruir a sua área; enquanto que o segundo demonstra de forma clara e precisa quem é o proprietário, para fins de recebimento da indenização devida. Caso comprovada a condição de posseiro, ainda que não exista o respectivo registro no cartório de imóveis, também faz jus à indenização, conforme sólida jurisprudência.

Proposta a desapropriação indireta e cumpridos os requisitos da petição inicial (art. 319, CPC/2015), será o Poder Público citado, por mandado (art. 247, III, CPC/2015), para apresentar contestação com prazo em dobro, no total de trinta dias contados a partir da citação pessoal (art. 183, CPC/2015).

No curso da instrução processual, será elaborado laudo pericial, que levará em consideração preço de aquisição e interesse auferido pelo proprietário; estado de conservação e segurança; valor venal dos da mesma espécie nos últimos cinco anos; valorização ou depreciação da área, dentre outros (art. 27, Decreto-Lei nº 3.365/41). Ao final da instrução processual, a sentença fixará o valor da indenização, geralmente conforme o laudo pericial, cuja vinculação irrestrita não é obrigatória por ser o magistrado destinatário da prova (art. 370, CPC/2015). Caso cumpridos os requisitos do artigo 496, § 3º, CPC/2015, a sentença estará sujeita ao duplo grau de jurisdição e só produz efeitos depois de confirmada pelo respectivo Tribunal.

Em relação ao valor fixado da indenização, deverá incidir: atualização monetária a partir do laudo pericial de avaliação até o efetivo pagamento da indenização fixada, remunerada pelo índice IPCA-E (STF – RE: 870.947); juros moratórios ao percentual de 6% ao ano (art. 15-B, Decreto-Lei nº 3.365/41), a partir do trânsito em julgado, existindo respeitável corrente doutrinária que entende ser cabível a partir da citação, pois a desapropriação indireta, ao contrário da direta, é movida contra a pessoa do próprio devedor (Poder Público expropriante) e já o coloca em mora (art. 240, Código Civil), devendo seguir as regras do Código Civil; e juros compensatórios ao percentual de 12% ao ano (Súmula nº 618, STF), incidentes a partir da imissão na posse (Súmula 114, STJ).

Em respeito ao preceito constitucional (art. 5º, XXIV) e à legislação infraconstitucional específica (art. 32, Decreto-Lei nº 3.365/41), o pagamento deverá ocorrer de forma justa, prévia e em dinheiro, recompondo o patrimônio de quem foi expropriado.

[1] Direito municipal brasileiro. São Paulo: Malheiros, 1994, p. 303.

[2] Desapropriação: doutrina e prática. São Paulo: Editora Atlas, 2005, p. 189.

Murilo Sousa - Advogado especializado em desapropriação.
Fonte: Artigos JusBrasil

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